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O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, suspendeu o julgamento sobre o alcance do foro privilegiado de deputados, senadores, ministros e outras autoridades na Corte. O placar estava com cinco votos favoráveis à manutenção da prerrogativa mesmo após a saída das funções. A nova regra valeria para casos de renúncia, não reeleição, cassação, entre outros motivos.

Os ministros Cristiano Zanin, Dias Toffoli e Flávio Dino acompanharam Gilmar antes de Barroso pedir vista (mais tempo para análise). Mesmo com a suspensão, o ministro Alexandre de Moraes decidiu antecipar o voto e acompanhar o voto de Gilmar.

Em 2018, após um ano de debates e diversas interrupções no julgamento, o STF bateu o martelo: estava na hora de restringir o alcance do chamado foro por prerrogativa de função. Desde então, inquéritos e processos criminais envolvendo autoridades como deputados e senadores só precisam começar e terminar no STF se tiverem relação com o exercício do mandato.

Agora, o ministro Gilmar Mendes – relator do caso – propôs que, quando se tratar de crimes funcionais, o foro deve ser mantido, mesmo após a saída das funções. O decano do STF defendeu que, no fim do mandato, o investigado deve perder o foro se os crimes foram praticados antes de assumir o cargo ou não possuírem relação com o exercício da função.

Barroso precisa devolver o processo para julgamento em até 90 dias para o plenário virtual. Nesta modalidade, os votos são registrados na plataforma online ao longo de uma semana, sem debate presencial ou por videoconferência. Qualquer ministro pode pedir destaque, o que automaticamente transfere o julgamento para o plenário físico.

Mesmo com a mudança em 2018, o escopo do foro privilegiado no Brasil é amplo em termos comparativos, sobretudo pela lista de autoridades que têm direito a ele – de políticos a embaixadores e magistrados de tribunais superiores. Países como Japão, Argentina e Estados Unidos não preveem um foro específico em função do cargo público, embora concedam imunidade ao presidente. Em outros, como na França, a prerrogativa se estende apenas ao chefe do Executivo e aos ministros de Estado.

A retomada do julgamento encontrou agora o STF em nova composição. Os ministros Marco Aurélio, Rosa Weber, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, que participaram do julgamento em 2018, deixaram a Corte nesses quase seis anos.

Gilmar fala em ‘recalibrar contornos’

Ao pedir a retomada do tema no STF, Gilmar argumentou que é preciso “recalibrar os contornos” do foro privilegiado. “Estou convencido de que a competência dos Tribunais para julgamento de crimes funcionais prevalece mesmo após a cessação das funções públicas, por qualquer causa (renúncia, não reeleição, cassação etc.)”, disse Gilmar no voto.

“Proponho que o Plenário revisite a matéria, a fim de definir que a saída do cargo somente afasta o foro privativo em casos de crimes praticados antes da investidura no cargo ou, ainda, dos que não possuam relação com o seu exercício; quanto aos crimes funcionais, a prerrogativa de foro deve subsistir mesmo após o encerramento das funções.”

Gilmar defendeu a aplicação imediata da nova interpretação de aplicação de foro privilegiado aos processo em curso, “com a ressalva de todos os atos praticados pelo STF e pelos demais Juízos com base na jurisprudência anterior”.

Para o ministro, o foro privilegiado é uma prerrogativa do cargo, e não um privilégio pessoal, portanto, deve permanecer mesmo com o fim da função. “Afinal, a saída do cargo não ofusca as razões que fomentaram a outorga de competência originária aos Tribunais. O que ocorre é justamente o contrário. É nesse instante que adversários do ex-titular da posição política possuem mais condições de exercer influências em seu desfavor, e a prerrogativa de foro se torna mais necessária para evitar perseguições e maledicências”, disse.

“Essa justificativa é ainda mais adequada no contexto atual. Numa sociedade altamente polarizada, marcada pela radicalização dos grupos políticos e pelo revanchismo de parte a parte, a prerrogativa de foro se torna ainda mais fundamental para a estabilidade das instituições democráticas”.

Gilmar cita as ações dos atos golpistas do 8 de Janeiro e como, na visão dele, o STF agiu para evitar atrasos nos processos, recorrendo, por exemplo, a análises pelo plenário virtual. “As medidas implementadas produziram resultados tangíveis, como demonstram as ações penais sobre os ataques de 8 de janeiro, cuja instrução ocorreu num bom ritmo, sem sobressaltos e com rigorosa observância do direito de defesa. A experiência recente revela não somente que o Tribunal está preparado para instruir e julgar ações penais complexas, envolvendo detentores de prerrogativa de foro. Ela também comprova que o exercício dessa competência não engessa o funcionamento da Corte nem ofusca suas demais funções institucionais, como a jurisdição constitucional”.

O Estadão apurou que os ministros foram consultados e acordaram que a discussão deveria ser retomada. A expectativa é detalhar melhor a tese a partir de controvérsias que se apresentaram ao últimos seis anos, sem retornar ao modelo anterior, que foi reformado justamente para baixar o volume de ações criminais após o Mensalão.

Casos que podem ser afetados pela nova regra

A discussão ganhou tração em meio à transferência das investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes ao STF. O deputado Chiquinho Brazão, apontado pela Polícia Federal como mandante do crime, era vereador na época. O ministro Alexandre de Moraes, no entanto, argumentou que houve tentativas de obstrução do inquérito quando ele já tinha assento na Câmara dos Deputados, o que em sua avaliação justifica o deslocamento do caso ao Supremo.

O pano de fundo do julgamento é um habeas corpus do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA). Ele é réu em uma ação penal na Justiça Federal do Distrito Federal por suspeita operar um esquema de rachadinha quando foi deputado. A defesa nega as acusações e alega que o processo deveria tramitar no Supremo, porque desde então ele exerce cargos com prerrogativa de foro.

No caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, investigado no STF, a defesa sempre argumenta que o tema da falsificação do cartão de vacina, por exemplo, não está relacionado ao exercício do seu mandato.

Uma das zonas cinzentas envolvendo o alcance do foro é justamente o cenário dos “mandatos cruzados” – quando um deputado (estadual ou federal) ou senador troca de Casa Legislativa. Em 2021, a Segunda Turma manteve o foro do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no caso das “rachadinhas” na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), o que levou ao arquivamento da denúncia.

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